O novo mínimo divisor de 108 meses, criado pela Lei 14.331/22, com vigência a partir de 05/05/2022, está provocando grandes alterações no cálculo da RMI das aposentadorias. Vamos entender o que aconteceu?
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SUMÁRIO
1. Introdução
2. Mínimo divisor: não esqueci de você!
3. Extinção do cálculo da contribuição única
4. Parcial alteração da regra de descartes do art. 26, § 6º, da EC 103/19 e seus indícios de inconstitucionalidade
5. Conclusão
6. Fontes
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1. INTRODUÇÃO
Nesse artigo, vamos analisar a alteração provocada pela Lei 14.331/22 no cálculo da RMI da aposentadorias por meio de aspectos constitucionais e legais.
Quem me conhece, sabe que jamais vou defender a injustiça, porém temos procedimentos para realizar as alterações das normas, as quais não foram respeitadas pela referida lei ordinária.
Vem comigo! 👊
2. MÍNIMO DIVISOR: NÃO ESQUECI DE VOCÊ!
O mínimo divisor é um elemento do cálculo previdenciário que reduz consideravelmente o valor da média dos salários de contribuição, dos benefícios dos segurados que possuem poucos salários de contribuição dentro do período básico de cálculo (PBC), que prevê a utilização do divisor mínimo de 60% (sessenta por cento) do período decorrido entre julho de 1994 até a data do início do benefício (DIB).
Ele surgiu em 29/11/1999, com a pulicação da Lei 9.876/99:
Art. 3º, § 2º No caso das aposentadorias de que tratam as alíneas b, c e d do inciso I do art. 18, o divisor considerado no cálculo da média a que se refere o caput e o § 1º não poderá ser inferior a sessenta por cento do período decorrido da competência julho de 1994 até a data de início do benefício, limitado a cem por cento de todo o período contributivo.
Essa regra é aplicável apenas aqueles segurados filiados ao regime geral de previdência social (RGPS) até o dia anterior à publicação da Lei 9.876/99.
Percebe-se que o divisor mínimo era aplicável apenas na aposentadoria por idade, na aposentadoria por tempo de contribuição e na aposentadoria especial, porém a incidência maior sempre foi na aposentadoria por idade, onde o segurado precisava de apenas 180 contribuições mensais para obter o direito ao benefício (além da idade é claro!).
Com isso, o divisor para apurar a média dos salários de contribuição, nunca poderia ser menor que 60% do período básico de cálculo, afetando diretamente as aposentadorias com poucos salários de contribuição após julho de 1994.
Talvez entendemos melhor com um exemplo:
Em 01/10/2018, o segurado possuía 65 anos de idade e 20 anos de tempo de contribuição, com 15 anos de tempo de contribuição antes de julho de 1994 e 5 anos de tempo de contribuição a partir julho de 1994. Portanto ele tería apenas 60 salários de contribuição (5 anos de TC) dentro do período básico de cálculo (PBC) de 292 meses, onde 60% corresponde a 175 meses.
Nessa hipótese, os 60 salários de contribuição seriam somados e depois divididos pelo divisor mínimo de 175 meses, reduzindo drasticamente a média dos salários de contribuição, refletindo diretamente na renda mensal inicial do benefício.
O divisor mínimo foi extinto com a nossa sistemática de cálculos prevista no art. 26, da EC 103/19:
Art. 26. Até que lei discipline o cálculo dos benefícios do regime próprio de previdência social da União e do Regime Geral de Previdência Social, será utilizada a média aritmética simples dos salários de contribuição e das remunerações adotados como base para contribuições a regime próprio de previdência social e ao Regime Geral de Previdência Social, ou como base para contribuições decorrentes das atividades militares de que tratam os arts. 42 e 142 da Constituição Federal, atualizados monetariamente, correspondentes a 100% (cem por cento) do período contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde o início da contribuição, se posterior àquela competência.
Assim, a partir da publicação da EC 103 (13/11/19), deixou de se aplicar o mínimo divisor na média do salários de contribuição dos benefícios mencionados.
No entanto, o divisor mínimo retornou em 05/05/2022, com a publicação da Lei 14.331/22, que incluiu o art. 135-A, na Lei 8.213/99:
Art. 135-A. Para o segurado filiado à Previdência Social até julho de 1994, no cálculo do salário de benefício das aposentadorias, exceto a aposentadoria por incapacidade permanente, o divisor considerado no cálculo da média dos salários de contribuição não poderá ser inferior a 108 (cento e oito) meses.
Esse novo divisor mínimo é válido apenas para os filiados à Previdência Social até julho de 1994 e será de 108 meses, independente do tempo decorrido no período básico de cálculo (PBC), será aplicado nas aposentadorias do regime geral de previdência social, exceto na aposentadoria por incapacidade permanente.
É lógico que a história vai se repetir, teremos maior incidência do novo mínimo divisor nas aposentadorias por idade, onde o tempo de contribuição exigido é de 15 anos.
E o grande motivo do retorno do mínimo divisor é o popular "milagre da contribuição única", que prefiro chamar de cálculo da contribuição única, pois de milagre não tem nada.
3. EXTINÇÃO DO CÁLCULO DA CONTRIBUIÇÃO ÚNICA
Esse cálculo surgiu com a promulgação da reforma da previdência (EC 103/19), que afastou o divisor mínimo da média dos salário de contribuição e, embora o nome seja "cálculo da contribuição única", sabemos que seria impossível o segurado aposentar-se com uma única contribuição. Explico!
A nova sistemática de cálculo da EC 103/19, favorecia o segurado que pretendia aposentar-se por idade e havia vertido muitas contribuições em período anterior a julho de 1994, em regra 14 anos e 11 meses ou mais, assim poderia verter uma única contribuição no teto do INSS e ter a sua média dos salários de contribuição no teto, justamente porque a memória de cálculo do benefício utilizaria apenas essa última contribuição no período básico de cálculo de julho de 1994 até a data do início do benefício, sem divisor mínimo.
A partir de então, nós previdenciaristas, percebemos que era questão de tempo para o regresso do mínimo divisor, em razão do desequilíbrio provocado por essa regra que poderia premiar com uma renda mensal inicial acima de R$ 4.000,00 (em 2022) para segurados que a vida toda contribuíram no valor de um salário mínimo e, mais recentemente, verteram um única contribuição no teto.
Essa metodologia de cálculo, sem o mínimo divisor, pode ser realizada entre 13/11/2019 a 04/05/2022, inclusive deve ser respeitado o direito adquirido, por força do art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal.
Todavia, se antes do cálculos da contribuição única era favorável ao segurado, agora, o novo mínimo diviso, aparece com indícios de injustiças no cálculo de descartes do previsto no art. 26, § 6º, da EC 103/19. Veremos a seguir:
Não deixe de assistir nosso vídeo sobre o cálculo da contribuição única:
4. PARCIAL ALTERAÇÃO DA REGRA DE DESCARTES DO ART. 26, § 6º, da EC 103/19 E INDÍCIOS DE INCONSTITUCIONALIDADE
O art. 26, § 6º, da EC 103/19 prevê:
Art. 26, § 6º Poderão ser excluídas da média as contribuições que resultem em redução do valor do benefício, desde que mantido o tempo mínimo de contribuição exigido, vedada a utilização do tempo excluído para qualquer finalidade, inclusive para o acréscimo a que se referem os §§ 2º e 5º, para a averbação em outro regime previdenciário ou para a obtenção dos proventos de inatividade das atividades de que tratam os arts. 42 e 142 da Constituição Federal.
Segundo o citado dispositivo, o segurado poderia descartar da média os salários de contribuição que reduzem o valor do benefício, mantendo o tempo de contribuição mínimo exigido.
Contudo, a aplicação do novo mínimo divisor de 108 meses, do art. 135-A, da Lei 8.213/91, poderia contrariar o disposto no art. 26, § 6º, da EC 103/19, visto que a limitação a 108 salários de contribuição, em muitos casos, representaria a proibição de descartes até o tempo de contribuição mínimo exigido.
Exemplo:
Imaginamos 3 casos idênticos que poderão ter resultados diferentes:
1. Aposentadoria por idade, onde o segurado (homem) tem 20 anos de tempo de contribuição, com todo tempo de contribuição após julho de 1994. Não haverá incidência do mínimo divisor, portanto o cálculo estaria respeitando a regra do art. 26, § 6º, da EC 103/19, podendo descartar até o limite de 15 anos de tempo de contribuição, apurando o melhor benefício ao segurado.
2. Aposentadoria por idade, onde o segurado (homem) tem 20 anos de tempo de contribuição, sendo 10 anos (120 meses) antes de julho de 1994 e 10 anos (120 meses) após julho de 1994. Haverá incidência do mínimo divisor e o segurado poderá descartar apenas 12 salários de contribuição, vez que, embora possua 240 salários de contribuição, tem apenas 120 salários de contribuição no período básico de cálculo a partir de julho de 1994. Nessa hipótese, o segurado manteria 19 anos de tempo de contribuição após descarttar 12 salários de contribuição, não respeitando a regra do art. 26, § 6º, da EC 103/19.
3. Aposentadoria por idade, onde o segurado (homem) tem 20 anos de tempo de contribuição, sendo 15 anos (180 meses) antes de julho de 1994 e 5 anos (60 meses) a partir de julho de 1994. Haverá incidência do mínimo divisor onde o segurado não poderá descartar salários de contribuição, não respeitando a regra do art. 26, § 6º, da EC 103/19, e ainda deverá somar os 60 salários de contribuição e dividir por 108 meses, reduzindo drásticamente na média dos salários de contribuição.
Os casos apresentados são idênticos, isto é, aposentadoria por idade com 20 anos de tempo de contribuição, porém o período do salário de contribuição influenciará no descarte e no cálculo da média dos salários dos salários de contribuição, com a incidência ou não do novo mínimo divisor de 108 meses, infringindo o princípio da isonomia.
Além do mais, a parcial alteração da regra constitucional de descartes, prevista no art. 26, § 6º, da EC 103/19, realizada por lei ordinária (Lei 14.331/22), está afrontando a supremacia hierárquica da normas constitucionais, sendo passível de declaração de inconstitucionalidade formal.
5. CONCLUSÃO
De fato, o novo mínimo divisor já nasceu com indícios de inconstitucionalidade, talvez faltou ao legislador um melhor estudo do caso para resolver o problema com uma solução muito mais simples que parece.
Por que não utilizar todos os salários de contribuição, inclusive anteriores a julho de 1994, na média do salário de contribuição, respeitando o princípio da isonomia?
Por que não utilizar uma emenda constitucional para realizar a alteração, respeitando os procedimentos de criação de norma e a supremacia hierárquica da normas constitucionais?
Infelizmente, não sabemos se a falha se deu por falta de planejamento, por pressa ou por falta de conhecimento, mas sabemos que é questão de tempo para o Judiciário começar a receber as primeiras demandas revisionais sobre o tema abordado.
Deixe seu comentário sobre o assunto! 😉
6. FONTES
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